16 setembro 2011

Um Inversor barato para o seu Carro

A Política dos Três Rs
Muito se tem noticiado sobre reciclagem. Recicla-se metais, plásticos, cerâmica, vidro, uma infindável lista de materiais cada um com um processo diferente, uma cadeia de reciclagem diferente, etc. Mas, a reciclagem é parte de um processo muito mais interessante e racional. O processo como um todo é como se fosse uma “peneira”, e para surpreender vários leitores, a reciclagem não é a primeira opção de reutilização para muitos materiais.
O conjunto todo desta grande peneira se resume em três “Rs”: Reduzir, Reaproveitar e Reciclar, a “peneira” funciona nesta ordem mesmo. Primeiro se reduz o material desperdiçado, pode ser uma embalagem menor com produto concentrado, um material mais facilmente tratado para ser reaproveitado, ou reciclado posteriormente; a ideia é reduzir o volume do que se joga no lixo. A segunda ponta do triângulo dos três “Rs” é o Reaproveitar, nesta direção podemos citar como exemplo os usos das garrafas PET (Politereftalato de Etileno) para artesanato, barcos, móveis etc.
A mais radical de todas as modificações sobre um produto-alvo é o processo de reciclagem, sendo o mais conhecido de todos. Nesta ponta do triângulo há uma mudança mais radical no processamento do material de interesse para que seja possível uma outra utilização. Podem ser acrescentados, por exemplo, grânulos de borracha de pneu na mistura do asfalto; picar e derreter garrafas PET para transformar em linha de costura; transformar latas de alumínio em novas latas; pedaços de vidro em objetos como vidros planos para janelas; ou matéria prima para artesanato e decoração.

Os Porquês!
Talvez o mais importante dos “Rs” para a indústria seja o processo de reciclagem, já que é um dos poucos em que participa ativamente e o único em que a participação é direta e fundamental para a redução de custos.
 Na fase de redução de resíduos, a indústria tem o papel fundamental de modificar seus produtos devido à conscientização de seus clientes. Ninguém quer perder clientes e deixar de associar o seu produto com a característica de “verde”.
O processo de reutilização é um campo de atividades educacional e artesanal. É empregado nas escolas para a conscientização dos alunos, desenvolvimento da criatividade, artesãos etc.
Na reciclagem, o mais importante é a redução de gastos com o consumo de matérias primas (por exemplo, ao reciclar o alumínio, se reduz o consumo da bauxita) e há grande economia de energia elétrica. Acrescenta-se nesta mistura o marketing “verde” que chama cada vez mais a atenção do consumidor consciente. A economia na cadeia de reciclagem do alumínio chega a 30% do total de energia gasto para se transformar a bauxita em alumínio. Se a economia de 30% para o consumidor comum é algo significativo, imagine, então, numa indústria de grande porte.
 
A Eletrônica e os três “Rs”
Dissemos acima que cada material possui uma cadeia de como pode retornar a ser útil sem ser descartado como resíduo. Na eletrônica isso não é exceção. Temos por meta seguir à risca este processo racional, mais ainda agora, após a aprovação recente da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010), onde foram definidos alguns tópicos importantíssimos como, por exemplo, a responsabilidade dos geradores de resíduos e suas atribuições com o consumidor e o meio ambiente. Essa lei tem impacto profundo na destinação das baterias, por exemplo, dos celulares, pilhas, componentes com chumbo, mercúrio etc.

Um Road Map da nossa proposta
Analisando nossas possibilidades diante dos três “Rs”, temos que, pouco podemos fazer diretamente em relação ao item reduzir. Aqui na Revista, não nos seria possível desenvolver processos complexos para reduzir, mesmo porque na eletrônica “quase tudo é moído” a grosso modo, e posto em locais muito específicos, nos quais, para serem retirados, necessitaríamos de alguns anos de estudo de Química. Como a Revista é de Eletrônica, o que nos resta é reaproveitar. Mas, como reaproveitar equipamentos ou circuitos eletrônicos? Começamos por separar o que temos disponível, observando os equipamentos, para que servem, como funcionam e analisando o seu diagrama de blocos. Procure na internet maiores informações sobre eles. O nosso primeiro equipamento a ser reutilizado é o no-break, em inglês UPS (Uninterruptible Power Supply, curiosamente não é no-break em inglês). Para isso, vamos resumir algumas de suas funções básicas. O no-break é conectado na energia elétrica e na sua saída temos o equipamento que desejamos que funcione, mesmo por pouco tempo, na falta de energia elétrica, como se nada tivesse acontecido para que possamos desligá-lo normalmente.
Na condição de queda de energia o no-break se utiliza de bateria própria que, através de um circuito especial, idealmente fornece energia elétrica em condições muito semelhantes à da rede da concessionária. Para isso ocorrer durante o tempo em que a energia da rede estiver normal, o no-break, entre outras funções, carrega/mantém carregada a(s) bateria(s) de modo automático, sem interferência do usuário. Existem dois tipos básicos de no-break, o de simples conversão e o de dupla conversão. O no-break de simples conversão é mais simples e normalmente é encontrado em equipamentos mais baratos, de uso residencial ou semelhante. Já os de dupla conversão são mais caros, têm foco de exportação, são mais profissionais e atendem a normas rígidas de qualidade. Os diagramas de blocos descrevendo seu funcionamento básico estão nas figura 1 e 2. As linhas cheias mostram os blocos energizados nas duas condições.




Observe que inicialmente a energia da entrada é conduzida até um supressor de picos de rede e um filtro de linha, seguindo por um “relé” ou comutador eletrônico, que está conectado à carga.
Em paralelo com esta linha alimentada existe um outro circuito, em espera (stand-by), que enquanto existe energia regular, alimenta um carregador de bateria mantendo-a pronta para uso (a bateria em stand-by pode apresentar vários problemas que vamos citar depois em outro artigo).
Na falta de energia elétrica, o comutador fecha o circuito com a parte de baixo do esquema e, agora, a energia elétrica de 110/220 V em corrente alternada (AC) é fornecida da energia da bateria (DC) através de um conversor DC/AC. Ou seja, não há necessidade alguma de modificações na carga para funcionamento em rede elétrica para um modo de emergência.
Quantos aos no-breaks de dupla conversão, o seu circuito é um pouco diferente em blocos, mas fisicamente pouca coisa muda. Possui circuitos e programa embarcado que aumentam a qualidade de energia fornecida e seu custo final. Figura 3.
 
Não está descrito no diagrama, mas não existem peças móveis, toda a comutação da energia principal é feita em “estado sólido” por transistor (MOSFET, IGBT, etc). Há um sincronismo entre a rede elétrica e a tensão de saída do no-break que pode ser gerada, o microprocessador recebe dados da rede como frequência, fase e qualidade da energia de entrada, controla ainda o carregador das baterias, às vezes até a própria bateria e o circuito de potência gera um sinal senoidal com potência suficiente para alimentar o transformador de saída e elevar a tensão para 110/220 volts que a carga precisa. O no-break fica em stand-by até ser “convocado” para trabalhar no exato ritmo de jogo em que a carga estava conectada à rede, antes da queda de energia. Fisicamente, o transformador isolador pode estar enrolado com o de saída.
Toda esta estrutura tem o intuito de aumentar a eficiência, reduzir o risco de mais um pico na rede da saída que poderia danificar os equipamentos, melhorando a qualidade do produto. Não conseguiríamos entrar em todos os detalhes construtivos do no-break aqui, mesmo porque  não é esse o nosso objetivo inicial.
Resumidamente, a operação do no-break é essa, varia com alguns modelos mas a sua filosofia de funcionamento basicamente não muda muito. Um grande “detalhe” do projeto como um todo e que não aparece no diagrama, é que os no-breaks são produtos normatizados, seguem normas rígidas de qualidade tanto de construção quanto de características elétricas e performance, ISO 9000, CE (Comunidade Européia), etc. E que depois de algum uso, por um motivo pouco racional, os descartamos no lixo como resíduos.

O que fazer com um No-Break?
A proposta deste artigo é a de reutilizar equipamentos. Analisamos o diagrama de blocos de alguns modelos, e agora apresentamos o verdadeiro motivo de utilizarmos este equipamento para reuso.
Quase todos nós temos um celular com um carregador, um rádio, uma lanterna ou um outro equipamento qualquer ligado à rede ou através de baterias, recarregáveis; alguns gostam de pescar, acampar, são escoteiros (como eu) e estão às voltas com algo que funciona em 110/220 V e não há uma bendita tomada para ligarmos o que precisamos de noite, no meio do mato!
A nossa proposta é utilizar uma parte do no-break como inversor da potência do tipo 800 ou até 1300 VA, usando para isso o conversor DC/AC conectado numa bateria do carro ou do barco, por exemplo. Lembrando que a qualidade da tensão de saída é compatível com padrões internacionais mais rigorosos do mercado !!! Condição que quase nenhum inversor específico de baixo custo, atende. Só os custos de certificação já inviabilizariam o inversor, considerando o seu baixo volume de consumo.

Como fazer o inversor?
Isto é relativamente simples, mas não trivial. Vamos caminhar passo a passo. Colete o maior número de informações possível sobre o seu no-break, por exemplo, no site do fabricante. O ideal é ter um no-break conhecido de sua sucata (Figura 4).


Desmonte a tampa e analise o circuito através de seus componentes fisicamente, “escute” o circuito. Observe se há algum dano nos componentes de potência, algum explodido? Antes de ligar o no-break, verifique os seguintes itens:
  • A tensão da bateria na etiqueta ou medindo seu valor com o multímetro;
  • Fusíveis (desconecte a bateria e teste a continuidade);
  • Verifique se há componentes queimados;
  • Continuidade dos cabos de força.
Ligue o no-break com uma lâmpada de 100/150 W em série, como se ligava os rádios a válvula de “antes”, como indica a figura 5.

 
Conecte os terminais do multímetro nos terminais da bateria, meça a tensão em DC e em AC, desta vez com o no-break conectado. Se o carregador de bateria estiver bom, a leitura do multímetro será a de carga da bateria (14/13,8 Vdc, se ela for de 12 volts) e na medida de Volts AC será o ruído (ripple) da fonte do carregador. Ao fazer este teste você já verifica as condições da fonte de alimentação do equipamento, o que deve ser bastante baixo perto do nível Vdc. O ideal é escolher um no-break cuja tensão seja de 12 volts para conectarmos na bateria do carro. Há no-breaks de 24 volts que poderiam ser adaptados para caminhão.
Ligue a bateria do no – break, conecte-o à lâmpada-série, ligue- o e responda. Na saída do no-break tem tensão AC? É 110 V ou 220 V como escolhido na chave seletora de tensão? Pode ser que seja de saída única , sem seleção; mas tendo a saída com a tensão nominal, em princípio o circuito está funcionando. Ligue uma lâmpada de potência baixa na saída. Acende mais fraca, o brilho da lâmpada em série aumenta? Tem grandes chances de funcionar!
O carregador e a parte de potência de saída estando bem, pode significar que o problema de sucateamento do no-break tenha sido a bateria. Quando o problema for a bateria, ficará mais fácil de reaproveitar o seu antigo no-break. Até a caixa do no-break será utilizada na caixa do inversor.

Vamos relembrar alguns detalhes. Se formos utilizar o inversor (não é mais um no-break) no carro, não vamos precisar de bateria nem do carregador, somente da placa e da caixa. Muitos no-breaks possuem um buzzer que é acionado avisando o usuário que o equipamento está consumindo a bateria. Temos aqui duas opções: você pode retirar o buzzer da placa ou ligar dois fios e um interruptor nele e fixá-lo na parte interna do inversor. Para o interruptor faça um pequeno furo na caixa. O aviso pode ser útil para te lembrar que a bateria em uso é do automóvel e que vai precisar dela para a partida. Aqui vale a pena lembrar, quando é que algo eletrônico apresenta defeito? Quando está ligado. Quando é que você vai ligar o inversor? No meio do mato? Na praia? E se o inversor causar problemas no sistema de carga da bateria instalado no SEU automóvel quando você estiver lá com a família? Tenha atitudes seguras e viva melhor. Antes de usar o inversor, teste bastante e verifique se não apresenta problema algum e tenha certeza disso.
Cortamos os terminais da bateria, descascamos as pontas e colocamos uma barra de terminais de fios grossos (preto e vermelho), tipo 6 mm. Nesta barra de terminais fixamos os fios de aproximadamente 2 a 3 metros, com 4 mm2 de área de secção reta, de preferência um cabo tipo PP e na sua outra extremidade soldamos um par de garras-jacaré de tamanho médio, com isolação. Neste cabo, em série com o circuito e do lado de dentro da caixa, solde um pequeno fusível de vidro comum para proteger o inversor sem causar problemas no veículo. Este cabo é para que o inversor seja colocado próximo do local de uso, mas longe do automóvel.
O fusível a ser utilizado, claro, depende da potência do seu inversor. Lembrando que quase nunca chegará a ser usado a plena carga (100%) por muito tempo. É só fazer umas contas com o nossa velha Lei de Ohm.

A bateria do veículo tem a capacidade de carga de 70 Ah, ou seja, durante uma hora ela pode fornecer 70 ampères, teoricamente, até terminar toda a sua carga. Como isso é uma coisa que não queremos que aconteça, pois a bateria é do carro agora, teremos que controlar o tempo de uso e a potência da carga conectada ao inversor, então tudo que conectarmos deverá ter sua potência conhecida antecipadamente. O antigo no-break era de 1300 VA de potência. A unidade VA (Volt-Ampère) não pode ser entendida como Watts RMS. Esta unidade significa que a medida de potência é a aparente, que temos que considerar o Fator de Potência, a eficiência do equipamento, este é um dado que normalmente não é especificado em vários modelos. Pela internet, procure as especificações do fabricante e verifique a potência real (em RMS) do no-break; por exemplo um fabricante especifica que o seu equipamento de 1000 VA tem uma potência real fornecida de 670 Wrms. Se utilizarmos toda a capacidade do inversor, teríamos uma corrente de 55,3 ampères.


A potência tem que ser igual tanto na entrada quanto na saída, mesmo considerando as tensões diferentes:


Claro que não estamos considerando as perdas internas do inversor e nem a energia para seu funcionamento normal. Acredito que na entrada do inversor um fusível rápido de 25 ampères está adequado, mesmo porque estes componentes têm uma tolerância de 150% de sua corrente nominal; ou seja, um fusível de fio de 25 A tem grandes chances de desarmar com 31,25 A. Para conectar o fusível, instale um suporte de fio. Feche a caixa, reutilizando os mesmos parafusos. Lembre-se, a energia do inversor vem da bateria do carro, se utilizar uma carga de potência alta, a bateria irá se descarregar.
Na partida, o carro precisa de um pico de 80 a 120 ampères para fazer o motor funcionar. De vez em quando acione o motor e deixe – o carregando a bateria, quando isso ocorre, em alguns veículos, uma luz vermelha se apaga no painel. Para fazer funcionar o seu novo inversor, basta ligá-lo como se fazia no seu antigo equipamento, use o botão de liga/desliga. Nesta “reutilização” você economizou mais de R$ 400,00, e ainda tem uma excelente “rede elétrica” de baixa potência, com excelente qualidade de projeto, componentes etc, dependendo do no-break escolhido.
Matéria originalmente publicada na revista Eletrônica Total; Ano: 20; N° 148; Mai / Jun - 2011 

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