Dentro
de muitos equipamentos eletrônicos bate um “coração invisível” que determina
comum ritmo preciso o seu funcionamento. Nos relógios, cronômetros,
computadores, equipamentos de comunicações e muitos outros aparelhos,
minúsculos cristais de quartzo vibram com precisão garantindo que seus
circuitos funcionem de maneira totalmente ordenada e sincronizada. É difícil prever
o que seria da Eletrônica em nossos dias sem a presença desses elementos.
Newton
C. Braga
O que faz com que um relógio
eletrônico mantenha seu ritmo exato, independentemente das variações das
condições ambientais, das diversas situações em que ele deve funcionar e até
mesmo do próprio estado da sua bateria?
O que faz com que todas as
operações de um computador sejam totalmente sincronizadas em uma velocidade
enorme, com um mínimo de variações? O que faz com que os transmissores das
estações de rádio e TV e das estações de telecomunicações mantenham suas
frequências com grande precisão, não interferindo umas nas outras, permitindo
que o leitor as sintonize sempre no mesmo ponto do mostrador de seu rádio, ou
sempre que tocar a mesma tecla de seu televisor, ou ainda quando utilizar seu
telefone celular?
Se o leitor respondeu que é o
cristal de quartzo, acertou, mas acreditamos que na maioria dos casos, essa
resposta deve estar acompanhada de uma grande interrogação: mas como um cristal
de quartzo pode fazer isso?
A maioria dos equipamentos
eletrônicos que exija alguma espécie de sincronismo preciso, ou seja, um
“relógio interno” para funcionar, aproveita as propriedades dos cristais de
quartzo.
Esses cristais são instalados em
invólucros que possibilitam seu acoplamento a um circuito e, normalmente, podem
ser encontrados com as aparências mostradas na figura 1
O Cristal de Quartzo
Os cristais são estruturas em que
os átomos se dispõem de uma forma ordenada que se repete em toda a sua
extensão. Assim, forma-se uma espécie de rede de átomos com uma disposição
totalmente ordenada em toda sua extensão, conforme ilustra a figura 2.
Os átomos de um cristal não
precisam ser, necessariamente, todos do mesmo elemento. Um cristal pode ser
formado por átomos de dois tipos como, por exemplo, de um metal como o silício,
o alumínio, etc., e o oxigênio como elemento “intruso”. Muitos cristais de
grande efeito decorativo e também muito valiosos, como o rubi, a turmalina
etc., são estruturas formadas por átomos de dois tipo, normalmente um deles
sendo o oxigênio. A maioria dos cristais apresenta um estrutura perfeitamente
simétrica, o que significa que as forças de natureza elétrica manifestadas
pelos átomos no seu interior são balanceadas, e nada de anormal acontece ou é
notado em termos de seu comportamento.
No entanto, dependendo da
disposição dos átomos que formam o cristal, pode ocorrer que haja uma
assimetria em relação às forças elétricas manifestadas entre partículas. O
resultado disso é a manifestação de forças de natureza elétrica em determinadas
condições. Assim, existem os casos em que essa assimetria se manifesta de tal
maneira que as faces do cristal predominem cargas de determinadas polaridades,
ou seja, o material permanece constantemente carregado com cargas estáticas, de
acordo com a figura 3.
Um
material desse tipo é denominado piroelétrico, ou seja, trata-se de um
eletreto. As cargas que esse material manifesta são intrínsecas, bem diferente
das cargas que um corpo acumula quando, por exemplo, o atritamos com outro.
Mas, o caso que nos interessa é um pouco diferente: existem cristais que em
condições normais não manifestam qualquer desequilíbrio elétrico no seu
interior. Entretanto, quando esses cristais sofrem algum tipo de deformação
homogênea, tal como uma compressão, extensão ou torção, aparecem cargas
elétricas localizadas, ou seja, eles se tornam polarizados. Qualquer cristal
que não possua um centro de simetria, apresenta essa propriedade, que é a de
ser piezoelétrico.
A
intensidade com que o efeito se manifesta depende da direção do deslocamento
que os átomos sofrem com a deformação em relação às suas posições originais de
equilíbrio. O efeito contrário também pode ser observado: se aplicarmos às
faces de um cristal esse tipo de tensão elétrica, ele se deformará. Um material
que pode manifestar essa propriedade é o quartzo, isso quando seus cristais são
cortados de determinada maneira, o que é indicado na figura 4.
Desse
modo, o corte de um cristal de quartzo comum, que é uma forma de óxido de
silício (SiO2), em qualquer das maneiras mostradas na figura, resulta em
cristais piezoelétricos.
Os
cristais piezoelétricos de quartzo, em consequência do fato de apresentarem uma
polarização elétrica em suas faces devidos às deformações, têm outras
propriedades importantes que relatamos a seguir. Uma dessas propriedades é a
ressonância. Qualquer corpo possui uma frequência natural de vibração. Quando
batemos numa lâmina de metal presa numa morsa, vide figura 5, esta lâmina
tende a vibrar numa única frequência que depende de seu formato, tamanho e
material de que é feita.
As
vibrações mecânicas fazem com que forças elásticas entrem em ação determinando
o modo como essas vibrações se realimentam e, portanto, a frequência natural
com que o corpo tende a oscilar. Esse é o princípio de funcionamento do
diapasão que produz sempre a mesma nota musical quando excitado mecanicamente,
ou das teclas de um xilofone, conforme mostra a figura 6.
Até
o ar no inteior de um tubo de órgão ou de um instrumento musical, vibra em
frequência que depende de suas dimensões, o que resulta no princípio de
funcionamento de todos os instrumentos musicais de sopro. No caso do cristal de
quartzo, as suas dimensões e também as forças elásticas que agem no seu
interior, e que dependem da direção de sua atuação determinada pelo corte,
fazem com que ele tenda a vibrar sempre em uma única frequência quando excitado
mecanicamente ou eletricamente. Em outra palavras, podemos dizer que um cristal
de quartzo se comporta, quando excitado, como um diapasão elétrico. Para termos
então correntes elétrica ou sinais de determinadas frequências a partir de um cristal
de quartzo, basta cortar esse cristal com as dimensões apropriadas e excitá-lo
eletricamente de modo que ele entre em vibração.
As
vibrações então ocorrerão na sua frequência de ressonância, ou ainda num
múltiplo dessa frequência, ou seja, em frequências harmônicas. O que sucede em
relação às frequências harmônicas pode ser entendido tomando por sua base uma
corda de violão, observe a figura 7.
Uma
corda de violão quando excitada, pode vibrar somente de determinadas maneiras,
as quais são determinadas por seus pontos fixos, ou seja, pelos nodos, conforme
mostra a figura.
Assim,
a frequência mais baixa que ela pode produzir é a denominada fundamental, que é
aquela em que temos os dois nodos nos pontos de fixação da corda e um ventre em
seu meio. Mas, a vibração poderá ocorrer também de tal forma que tenhamos um
segundo nodo no meio, o que corresponde ao dobro da frequência, ou à segunda
harmônica. Da mesma forma, podemos ter três, quatro, cinco, etc., nodos que
permitirão que a corda vibre sempre em frequências múltiplas da fundamental. O
mesmo acontece com um cristal, pois ele pode ser forçado a operar em modos de
vibração que venham a produzir frequências harmônicas da denominada
fundamental. Esta possibilidade é interessante se considerarmos que, quanto
maior for a frequência que um cristal deve produzir, menor devem ser suas
dimensões, o que nos leva a um ponto em que o componente se torna muito pequeno
e o cristal tão fino que fica extremamente delicado.
Podemos,
então, usar os cristais dessa forma para produzir sinais que tenham frequências
muito mais elevadas que a fundamental e que, de outra forma, exigiriam
componentes extremamente finos e delicados.
Os
Cortes
Ao
explicarmos no início que o modo como um cristal é cortado influi na maneira
como ele pode vibrar e na intensidade com que o efeito piezoelétrico se
manifesta, devemos ter apenas três orientações possíveis. Na prática, a
Eletrônica pode aproveitar muito mais orientações e assim existem muitos tipos
de cortes, os quais resultam em cristais com aplicações específicas. Na figura
8 temos uma ilustração onde são mostrados todos os tipos de corte com as
suas respectivas denominações.
Esses
cortes irão determinar não só o modo segundo o qual o cristal vibra quando
excitado, na sua aplicação principal, como também a faixa de frequências e o
uso a que se destina. Temos, então, os seguintes cortes principais:
- Duplex 5 X – Designação J: Nesse corte, o cristal vibra no sentido de seu comprimento e pode operar em frequências entre 0,8 e 10 kHz. Trata-se, pois, de um corte para baixas frequências, obtendo-se um coeficiente nulo de temperatura na temperatura ambiente.
- XY: Nesse corte, o cristal pode vibrar tanto no sentido do comprimento quanto na largura, numa faixa de frequência entre 3 e 50 kHz. Também temos neste caso um corte destinado a operação em baixas frequências.
- NT – designação N: Os cristais com este corte vibram no sentido de seu comprimento em frequências entre 4 e 150 kHz, sendo indicados para aplicações em osciladores de baixa frequência e filtros. Uma estabilidade de frequências de 0,0025% pode ser obtida na temperatura ambiente sem a necessidade de controles de temperatura.
Os Osciladores
Um
cristal sozinho não pode entrar em vibração espontaneamente. A excitação que
coloca um cristal em oscilação e depois a mantém, é obtida por meio de um
circuito especial. Esse circuito, conforme sugere a figura 9, nada mais é do
que um amplificador que tem um elo de realimentação. Ao conjunto assim obtido
denominamos “oscilador”.
Dessa forma, os circuitos que produzem sinais com certas frequências e são controlados por cristais de quartzo, são denominados osciladores controlados por cristal, ou simplesmente osciladores a cristal (utiliza-se também a abreviação XTAL-OSC). Para que tenhamos um oscilador a cristal é preciso que o circuito empregado na excitação tenha um certo ganho, ou seja, que o sinal obtido na sua saída seja maior do que aquele que se requer para excitar o cristal.
Dessa forma, os circuitos que produzem sinais com certas frequências e são controlados por cristais de quartzo, são denominados osciladores controlados por cristal, ou simplesmente osciladores a cristal (utiliza-se também a abreviação XTAL-OSC). Para que tenhamos um oscilador a cristal é preciso que o circuito empregado na excitação tenha um certo ganho, ou seja, que o sinal obtido na sua saída seja maior do que aquele que se requer para excitar o cristal.
Se
isso não ocorrer, o sinal de saída que serve para excitar de novo o cristal,
ficará cada vez mais fraco, e o que teremos é a produção de uma oscilação
amortecida, conforme ilustra a figura 10.
Com
um ganho maior que 1,0, “sobra” sempre um pouco de sinal necessário à
realimentação que mantém as oscilações e que pode ser usado no circuito
externo. Existem centenas de aplicações eletrônicas em que os cristais
controlam a frequência de osciladores, cujos sinais, (que são correntes de
determinadas frequências) são os responsáveis pelos seus ritmos de
funcionamento.
Aplicações
para cristais
Algumas
aplicações dos cristais se destacam. Por isso, será interessante que os
leitores as conheçam.
Relógios
O
ritmo de um relógio mecânico é dado pelo balanço de um mecanismo controlado por
uma mola. A tensão dessa mola determina o ritmo das oscilações. Os relógios
modernos são eletrônicos e seu ritmo é dado por um cristal. Mesmo que exista um
micromotor acionando os ponteiros, veja a figura 11, seu ritmo e portanto
a precisão do relógio dependem do cristal.
Evidentemente,
o cristal de um relógio não tem a frequência mínima que estamos acostumados a
visualizar, que é a de 1 Hz, ou um impulso por segundo. Seria muito difícil
fabricar um cristal com essa frequência (e ele também seria muito grande).
Assim, os relógios utilizam cristais de frequências mais altas, sendo elas
divididas por circuitos apropriados de modo a se obter um ritmo que seja ideal
para o andamento do relógio. A precisão obtida num sistema deste tipo é
excelente, com pequenas variações que normalmente ocorrem em vista das
diferentes temperaturas que o relógio encontra nos ambientes em que trabalha. O
anúncio de que um relógio é de quartzo refere-sejustamente à presença deste
elemento no circuito, determinando assim seu ritmo preciso de funcionamento.
Devido ao espaço limitado que existe num relógio de pulso, evidentemente, os
cristais usados devem ter dimensões muito pequenas, o que implica também que
eles não consigam oscilar em frequências muito baixas. Assim, os minúsculos
cristais dos relógios produzem oscilações de vários megahertz para a divisão
posterior pelos circuitos de que já falamos.
Computadores
Os
computadores de tipo PC e mesmo outros, possuem circuitos que operam segundo o
que se denomina lógica sincronizada. Todos os circuitos devem operar
sincronizados por um determinado sinal de frequência única, denominado “clock”,
o qual determina quando cada um deve realizar uma determinada operação, atender
uma interrupção ou estar pronto para emitir o resultado de uma operação. Se
isso não fosse feito, uma determinada etapa de um computador poderia estar já
somando o valor de um dado a outro armazenado numa célula, antes mesmo que o
outro tivesse chegado, dando com resultado um valor completamente errado.
Todos
os circuitos de um computador são sincronizados por um oscilador único que
determina seu ritmo de andamento. Dessa forma, quando dizemos que um computador
“roda” a 3 GHz e portanto é muito mais rápido que outro que só “roda” a 2 GHz ,
estamos nos referindo à frequência do clock, que é justamente determinada por
um oscilador por cristal, observe a figura 12.
A
velocidade de um computador não pode ser alterada simplesmente pela troca de
sinal de seu clock. A escolha de um determinado valor de frequência para um
cristal de um computador depende da capacidade de seus circuitos operarem com
tal frequência.
Se
um computador que utiliza componentes projetados para operar com frequência
máxima de 20 MHz, receber um sinal de clock de 40 MHz , ele não irá conseguir
operar satisfatoriamente.
Um
problema que surge na operação em velocidade maior (denominada overclock) é que
há uma dissipação de calor maior. Esse fato justifica a existência de uma chave
“turbo”. Em muitos computadores antigos que os dotam de duas velocidades: uma é
a frequência original do clock dada pelo cristal, e a outra dada por um divisor
por 2 que permite a operação na metade da velocidade. Em condições limites, num
ambiente quente ou quando o computador tiver que funcionar por horas seguidas,
se não estivermos com um programa que necessite de alta velocidade, será
interessante aliviar os circuitos de um aquecimento maior com a operação em
menor velocidade. Podemos dizer, de uma forma geral, que o oscilador de clock
de um computador funciona como um “maestro”que determina seu ritmo e
funcionamento de modo que tudo corra em harmonia. A quebra da harmonia poderá
significar erros graves e a própria inoperância do aparelho. É importante
observar que nos computadores mais modernos existe um oscilador de frequência
única que determina a frequência básica de operação de um circuito de entrada.
Através de programações por meio de jumpers ou ligações, é possível modificar
os circuitos que ele controla de modo a se programar a velocidade do
processador. Dessa forma, o profissional da Informática pode perfeitamente
alterar a velocidade de um processador sem mexer no oscilador, apenas mudando a
programação. É claro que o risco de se fazer esta operação de “overclock” é o
que já explicamos: rodando mais rápido que o recomendado, pode-se levar o
circuito a falhas ou mesmo sobreaquecimento. Existem instrumentos de medida
onde a precisão da medida depende fundamentalmente da precisão com que se pode
estabelecer um intervalo de tempo de referência. Esse é o caso de
frequencímetros em que a medida de uma frequência é feita contando-se o número
de ciclos num intervalo de tempo conhecido, conforme mostra a figura 13.
Por
exemplo, num frequencímetro comum podemos fixar em 1/10 de segundo o intervalo
de contagem dos pulsos ou “amostragem”. Assim, se nesse intervalo, para um
sinal de frequência a ser medida, forem contados 5000 ciclos, então a
frequência desse sinal (projetada no mostrador) será de 50 kHz. Os próprios
circuitos internos fazem a multiplicação de valor ou a colocação do ponto
decimal, desprezando os dígitos menos significativos, quando necessário.
Outra
aplicações
Telefones
sem fio, telefones celulares, instrumentos de medida de diversos tipos,
walk-talkies,televisores em cores, videocassetes e DVDs são alguns outros
exemplos de aparelhos em que encontramos os cristais exercendo funções
decisivas relacionadas com o controle de frequência. Nos telefones sem fio, os
cristais determinam a frequência de operação das estações garantindo, assim,
uma estabilidade que de outra forma não poderia ser obtida. Se o ajuste da
frequência fosse feito por circuitos sintonizados comuns (LC), a possibilidade
de “escape” do sinal seria muito maior, resultando na necessidade constante de
reajuste do aparelho com a consequente perda da confiabilidade. Nos
walk-talkies, os cristais determinam com precisão o canal em que os aparelhos
devem operar, fixando a frequência tanto do receptor quanto do transmissor.
Finalmente, nos televisores, encontramos cristais nas etapas de processamento
de cores, fixando a frequência dos circuitos de modo a detectar esse sinal com
precisão.
Conclusão
O
leitor teve, neste artigo, apenas uma amostra da importância dos cristais de
quartzo na Eletrônica. Um aprofundamento maior poderá ser importante se o
leitor for trabalhar com esses componentes. A variedade de tipos de frequências
leva à necessidade de conhecer todas as propriedades específicas de cada um
para que a escolha de um novo projeto seja aquela que o leve ao melhor
desempenho.
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